Quarentena no Chile, dia 9
Quem me conhece bastante, sabe que a relação com meus enteados sempre foi um assunto complicado para mim. Pensando comigo agora, ainda bem que eles já cresceram e não temos uma quarentena com adolescentes. Seria um desastre…
Foto: Danielle MacInnes (via Unsplash) |
Eles não são mais adolescentes, mas continuam dando preocupação. É que nem naquele ditado: filho criado, trabalho dobrado. No caso deles, adaptaria para filhos malcriados, trabalho redobrado. Não estou exagerando.
Não é papo de má(drasta), mas uma triste constatação. Por que eu digo isso? Bem, o filho mais novo conseguiu a proeza de ser pai adolescente durante a quarentena, sem nem ter terminado o ensino médio.
Ele foi morar na casa dos sogros, que são carabineiros, e pertencem à corporação aqui no Chile. Obviamente, eles têm um padrão de vida muito acima a média e melhor que a maioria dos trabalhadores chilenos. O menino está deslumbrado, tanto é assim, que ele praticamente foi abduzido pela nova família.
Para se ter uma ideia, desde que o bebê nasceu, ele só se comunicou com o pai para pedir dinheiro (como sempre) e mandou uma foto no dia em que o bebê nasceu. Fim.
O filho mais velho conseguiu outra proeza: ser expulso de casa pela mãe durante a pandemia. Não se sabe bem qual foi o motivo: violência doméstica, tráfico de drogas (frustrado)... sim, a coisa foi bem feia.
Todas essas coisas não têm nada a ver comigo e têm tudo a ver. Porque enquanto eles continuam sendo motivo de grande preocupação, não uma preocupação normal que todos os pais têm com os filhos, eu vivo com uma pessoa com depressão e extremamente estressada em casa.
Isso tudo durante uma pandemia, repleta de quarentenas e restrições para sair e viver uma vida “normal”. Tem sido muito difícil, não só pra mim, mas pra Gabi também. Os irmãos nunca foram muito presentes na vida dela desde que ela nasceu, apesar de eu sempre reforçar a existência deles. Acontece que se as pessoas não estão presentes, elas não existem.
A única coisa positiva nisso tudo foi que, finalmente, o pai deles começou a perceber certas coisas que sempre foram bem óbvias. Por exemplo, o ano passado no aniversário dele, como todos os outros anos desde que estou aqui, eles não deram nenhum presente. Nenhum chocolate, um bombom, uma meia, nada...
Chegaram (o menor, com a namorada grávida), almoçaram um sushi exageradamente caro para várias pessoas, cada uma com um gosto bem particular, e na hora de ir embora pediram o dinheiro para o táxi. O Cristián ficou arrasado e desabafou comigo depois que eles foram embora.
Eu só fiquei pensando: nossa, você finalmente se deu conta? Sempre foi assim. Mas acho que a pandemia aflorou tantas sensibilidades que o tombo foi grande. Apesar disso, ele não falou uma palavra sobre o assunto com os filhos.
Não reclamou de nada. Aguentou, estoicamente, a humilhação paterna. Infelizmente, ele precisa se posicionar, precisa dizer em algum momento: não. Seja para os pedidos abusivos de dinheiro como forma de compensar um casamento e uma família que se desfizeram, seja para a resignação com a falta de amor e carinho.
Isso vale para ele e para todos nós. A coisa mais saudável no mundo é a liberdade de dizer não para tudo aquilo que não te traz paz, felicidade e amor. Se tem algo para a gente aprender com essa maldita pandemia é a priorizar uma coisa apenas: ser feliz.
Tenha paz nas pequenas coisas do seu dia a dia, seja feliz, deguste sabores que te satisfazem, descanse em momentos que sentir vontade, valorize o sol e a chuva, o cheiro de terra molhada, a dança das folhas das árvores com cada sopro de vento...
Não existe um dia melhor para se respeitar, se amar e se cuidar. Nunca a ideia de impermanência foi tão verdadeira. Se num dia está tudo tranquilo, no outro a gente não sabe mais como vai ser a nossa vida. Fazer planos, seja a curto, médio, ou longo prazo, virou algo totalmente ultrapassado.
A única coisa que nunca sai de moda é ser feliz, consigo mesmo primeiro e depois com o mundo e os demais. O fato de tantas pessoas terem dificuldade para dizer não e estabelecer esses limites é uma demonstração da falta de amor próprio. Preciso me amar primeiro, para que os outros também amem essa pessoa especial. É preciso ser feliz com esse amor próprio, esse amor por mim, sem esperar que alguém reconheça minhas virtudes. Daí, tudo flui.
Não são apenas os filhos que tomam um choque ao reconhecer os pais como seres humanos e nada mais. Os pais também demoram a perceber que trouxeram ao mundo pessoas como qualquer outra, com qualidades e defeitos, como todos nós, inclusive, eu e você.
Bela!!! Tá lindo seu blog, vc, como sempre, intensa(tem minha admiração) Grande beijo e muita paz
ResponderExcluirAi, Tetê, sua linda! Muchas gracias! Que bom que você gostou! Beijo grande e paz sempre!
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