Quarentena no Chile, dia 17

O Chile é uma panela de pressão prestes a explodir, outra vez, a qualquer momento. A situação está tão complicada que ontem foi a primeira vez que ouvi panelaço aqui na minha vizinhança. E olha que aqui é um bairro de classe média.

Foto: Cristian Castillo (via Unsplash)


O país está vivendo uma situação terrível que, provavelmente, se você está no Brasil ainda não ouviu falar. A mídia comercial brasileira ajuda bastante a mascarar uma realidade que não existe por aqui.


A notícia mais recente que vi sobre o Chile no Brasil foi para exaltar a campanha de vacinação super bem-sucedida. Os números escondem uma realidade cruel com os casos de contágio aumentando assustadoramente, as UTIs de clínicas e hospitais lotadas, os chilenos sendo obrigados a cumprir quarentena, sem qualquer tipo de subsídio estatal, fome e miséria.


Não é exagero. A vacinação agora já está na casa dos cidadãos com 40 e poucos anos. A maioria dos idosos e pessoas com alguma condição de saúde especial já estão tomando a segunda dose. Mas o problema é que o governo não adotou outras medidas para conter o avanço da COVID 19 junto com a imunização em massa.


Pelo contrário: no verão, as pessoas puderam viajar por todo o país e o resultado, junto com a retomada precoce das aulas presenciais, se sente agora. Os casos de contágio dispararam! Além disso, a falsa sensação de que a pandemia tinha terminado com a chegada da vacina fez com que muita gente relaxasse nos cuidados básicos.


Vários médicos que trabalham em UTIs têm sido entrevistados nos meios de comunicação e fazem um chamado para que as pessoas se cuidem porque não há leitos. É o mesmo cenário que se vive no Brasil: se você ficar doente e precisar de atendimento médico, não haverá.


Estamos em quarentena total desde o início do mês, mas muitas pessoas não podem ficar sem trabalhar porque são autônomos. Este é o caso dos trabalhadores do comércio informal, por exemplo. Pessoas que realmente não tem o que comer se não recebem seus ingressos.


Para contornar a situação, muitas associações se juntam para organizar “olla comum” que nada mais é que uma panelão solidário. O governo, por sua vez, anuncia alguns subsídios, mas os requisitos para que as pessoas possam ter acesso são tão rígidos que quase ninguém consegue atendê-los. Ou seja, é uma solução que não resolve o problema.


Pelo contrário, gera mais revolta, raiva e fome! O Congresso encontrou uma forma de amenizar o duro golpe da pandemia na economia. Um projeto de lei foi aprovado no ano passado e permite o retiro de 10% dos fundos de pensão das aposentadorias.


Sim, porque o aclamado modelo de aposentadoria defendido pelo Paulo Guedes é uma bosta! Os trabalhadores são obrigados a contribuir com algum fundo privado e o dinheiro é aplicado pelas administradoras que vivem dos lucros.


O problema é que muitas pessoas morrem sem nunca poder usar esse benefício porque ele fica disponível somente quando a pessoa se aposenta efetivamente. Não existe nenhuma possibilidade prevista em lei de retirar o dinheiro antes. Nem uma parte, nem o valor total. 


Por causa da pandemia, uma lei foi criada e permite que os chilenos retirem 10 % desse fundo. Esse dinheiro ajuda não apenas quem está passando necessidades básicas, como a fome, mas também é uma salvação para quem ficou desempregado nesses tempos de crise.


Desde que o projeto entrou em vigor, já foram aprovados dois retiros. Obviamente que todo mundo que pôde aproveitou para retirar seus 10%. Claro que o presidente não ia ficar quieto por muito tempo.


Ele faz parte da elite, é dono de uma das maiores fortunas do país e tem entre seus amigos e negócios, a gestão de fundos de pensão. Agora que foi aprovado o terceiro retiro, ele vai recorrer ao Supremo para impedir que se cumpra alegando que a iniciativa fere a Constituição do Chile.  


Com tudo isso, óbvio que os chilenos estão emputecidos e com toda razão! Provavelmente os protestos ainda não ganharam as ruas com força porque muitos dos organizadores da revolta de 2019 ainda estão presos aguardando julgamento (até hoje) e também por conta da pandemia e da quarentena total. Mas desde ontem já começaram barricadas, panelaços e chamados a greves por parte de várias categorias, como a dos portuários, e tem chamada para greve geral no dia 30 de abril. 


Já é possível sentir que a situação de aparente paz e tranquilidade não vai durar muito. É questão de tempo a retomada das ruas pelos manifestantes. Aguardem!

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