Quarentena no Chile, dia 23

Comentei aqui no blog sobre a queda de braço que o presidente do Chile, Sebastián Piñera, travou para tentar impedir que os chilenos retirassem 10% dos seus fundos de pensão. Pois bem, depois de recorrer até ao Supremo Tribunal, ele perdeu a disputa.

Foto: Felipe Figueroa (via Twitter)


Com um placar de 7 votos contrários à solicitação do governo para impedir que o projeto aprovado pelo Congresso fosse adiante, o governo teve que reconhecer a derrota. Na mesma tarde em que o TC (Tribunal Constitucional) anunciou sua decisão, o presidente Piñera fez um pronunciamento afirmando que o governo fará o possível para pagar o dinheiro o quanto antes. 


O resultado reflete um desagaste vivido pelo governo que está com a popularidade em baixa por aqui. A última pesquisa de opinião divulgada em abril mostrou que o chefe de estado obteve índice de 9% de aprovação, mesmo percentual registrado em fevereiro de 2020. 


Quando foi eleito, a expectativa de muita gente que votou nele era de que, por ser empresário, a economia voltaria a se reativar. Novos empregos seriam gerados e a vida de todos ficaria muito melhor.


Os primeiros meses de governo mostraram justamente o contrário. Várias empresas antigas e tradicionais do Chile anunciaram o fim de suas atividades. Muitas pessoas ficaram desempregadas. Ao mesmo tempo, vários integrantes do atual governo mostraram zero empatia com os problemas financeiros enfrentados por grande parte da população.


O modelo está desgastado e o povo, revoltado. A convulsão social de outubro de 2019 trouxe a tona toda a raiva adormecida do povo chileno. Por mais que agora as pessoas não possam sair às ruas toda sexta-feira por causa da pandemia, a insatisfação continua.


Principalmente, porque a situação só piorou de lá prá cá. O governo não tem feito absolutamente nada para tentar reativar a economia. O pagamento antecipado de um percentual dos fundos de pensão é a única salvação para que as pessoas possam sobreviver e, no caso das que não ficaram desempregadas, movimentar a economia mesmo que seja apenas com a compra de itens básicos, como alimentação. 


Não está nada fácil. O custo de vida continua aumentando e, num ano de eleições decisivas, o povo sabe que tem a faca e o queijo na mão. Tudo indica que o Piñera vai terminar esse segundo mandato com uma tremenda mancha no currículo politico, que já era bem fraquinho.


Recentemente, o governo cometeu o erro gravíssimo de comprar briga com a imprensa. Inicialmente, os ataques foram dirigidos a mídia comercial local, mas quando os meios internacionais também passaram a dar visibilidade à caótica situação do país, sobrou para todo mundo.


Como era de se esperar numa democracia, a resposta dos jornalistas não tardou muito. Dois artigos foram publicados esta semana com enfoques bem negativos sobre o governo chileno. Um deles denunciando as tentativas de intimidação por parte do governo para frear a divulgação de notícias negativas. Outro levantou dúvidas sobre a forma de atuar do presidente quando se trata de proteger seus amigos empresários.


Parece familiar? Pois é... o Chile está longe de ser a menina dos olhos do neoliberalismo na América Latina. Hoje, a situação por aqui é bem tensa. A quarentena e pandemia só deixaram mais exposta essa ferida. 

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