Sobre o 20 de setembro no Rio Grande

Essa semana, vi alguns gaúchos criticando o 20 de setembro em dois grupo e não pude deixar de pensar em várias coisas. Principalmente, no Chile. Aqui tem um feriado nacional dia 21 de maio. Nesse dia, o presidente vai até Valparaíso onde fica o Congresso e faz um discurso e apresenta uma prestação de contas. 

Passeio no Centro de Porto Alegre

O dia 21 de maio é conhecido como Dia das Glórias Navais. Toda a tripulação do barco Esmeralda, liderado pelo capitão Arturo Prat, morreu num combate com outra embarcação do Peru, numa disputa por territórios marítimos que durou anos e foi parar no Tribunal de Haia na última gestão do Piñera. 

Durante a ditadura, outro barco - com o mesmo nome - foi usado como Centro de Tortura de presos políticos. Grupos de direitos humanos já fizeram protestos em frente ao Esmeralda em diversas ocasiões. 


Voltando ao barco original, o Chile perdeu a batalha, todos morreram e é feriado até hoje, com um dos eventos políticos mais importantes do país. No Brasil também é feriado nacional dia 21 de abril, Tiradentes. Ele também morreu lutando contra a monarquia. Foi preso, executado e esquartejado. 


A Revolução Farroupilha foi motivada por interesses econômicos, sim, assim como tantas outras revoltas que só aconteceram porque não era apenas o povo que estava lutando, mas outros setores cuja única preocupação era salvar o próprio bolso, quer dizer, zero comprometimento com causas nobres. 


O feriado é uma oportunidade para quem quer prestar uma justa homenagem aos mortos esquecidos como os lanceiros negros tão injustiçados. O Vitor Ramil tem uma canção linda em homenagem a esse destacamento nem sempre lembrado (Milonga de Los Morenos). 


O RS é um estado racista, sempre foi e continua sendo. Falta muito ainda para melhorar, mas não podemos reescrever o passado, podemos reescrever o presente e o futuro. 


O mito do gaúcho já vem sendo desmascarado há anos, nada novo para quem está no ambiente acadêmico. Na década de 90, meu professor de Antropologia Cultural na PUC-RS, Luciano Aronne de Abreu, dava aulas inspiradoras desconstruindo esse personagem inventado no imaginário da gauchada. O gaúcho era um andarilho, um vagabundo, um homem sem família, sem lar, viciado em jogo, bebida, mulherengo e nada aguerrido. 


Era um cara que parava de instância em instância trabalhando, ganhando dinheiro e seguia de novo. Não andava pilchado porque era um miserável. A origem das botas de couro vem do couro quente recém retirado dos animais que matavam e eram grudadas ao próprio corpo do vivente para espantar o frio. 


Dito isso, nem todos os feriados existem para celebrar vitórias porque a gente aprende com as derrotas também. Servem para não repetir os erros do passado que, aliás, foram muitos na guerra dos farrapos. 


É bem verdade que o Brasil e o RS vivem hoje uma sociedade muito maniqueísta, cheia de certo e errado, branco e negro, homem e mulher, bons e maus. Nem tudo na vida é assim. Aliás, quanto mais nos colocamos nessa seara, mais difícil é o diálogo. Essa divisão me lembra demais o Chile, antes, durante e depois do governo Allende, divisão que permanece até hoje mais viva do que nunca. Um país dividido, polarizado, onde dificilmente é possível construir pontes devido às grandes diferenças de opiniões


Vejo todos os dias a jornalista Eliane Brum pedir justiça por Marielle Franco. Esse ano, no dia em que se completaram 50 anos do assassinato do cantor Victor Jara, ela escreveu a mesma coisa. Jara foi assassinado nos primeiros dias da ditadura militar, em 1973. Ele apoiava o Allende abertamente e foi preso, torturado e assassinado. O corpo sem vida foi encontrado com 40 tiros abandonado junto  a uma ferrovia. 


Sabe quando os assassinos do Victor Jara foram condenados? Em 2023, isso mesmo, 50 anos depois. 


Os ciclos da história são lentos, longos e demorados. Por mais que a vida moderna tenha outro ritmo. 


Quem não gosta de ser gaúcho, quem não gosta do Rio Grande do Sul, quem tem vergonha das suas origens está em todo o seu direito. Eu mesma tenho momentos em que olho com tristeza para a terra onde eu nasci, mas são as minhas origens, para o bem e para o mal. 


Agora, tem certos argumentos em que simplesmente não dá para ler sem fazer uma reflexão, uma análise crítica e histórica. Não gosta do feriado, ok. Não comemore, faça um protesto (como os chilenos em frente ao Esmeralda), mas essa lacração da internet é cansativa.

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