A pandemia silenciosa que mata no Chile

Muito antes da COVID, o Chile já vivia sua própria pandemia. Uma que mata silenciosamente os chilenos há anos e que pouca gente fala. Responsável pela morte de jovens e idosos, de diferentes classes sociais... Todos os anos, em setembro, essa pandemia faz mais vítimas. É como se a chegada da primavera desencadeasse uma avalanche que nem mesmo campanhas de prevenção conseguem deter o tsunami de suicídios.

Cordilheira nevada
Cordilheira nevada em Santiago

Não é exagero. O problema é grave e as estatísticas comprovam: o suicídio é a primeira causa de morte entre jovens de 20 a 24 anos. Os homens apresentam um índice quatro vezes maior que as mulheres em todas as faixas etárias. 

Os dados são do ministério da Saúde que, ciente da gravidade do problema, passou a tratar o suicídio como questão de saúde pública. Esse ano o governo lançou uma plataforma digital chamada “Quédate” (Fique). O princípio é o mesmo do CVV (Centro de Valorização da Vida), mas com um chat online onde a pessoa pode ser atendida por um psicólogo especializado em contenção de crises.


É uma ideia fantástica e mais do que necessária num país onde as pessoas têm muito pudor em falar sobre sentimentos. Especialmente os homens, obviamente. Já comentei aqui e jamais vou esquecer do dia em que, a caminho da terapia, encontrei uma fotógrafa conhecida do Cristián e comentei que ia no psicólogo. A reação dela foi: ah, coitadinha! Tipo: fazer terapia é coisa de doido. 


Esse ano, voltei a fazer terapia, dessa vez, com uma psicóloga brasileira que mora aqui no Chile. Estou adorando e tem me ajudado muito. Acredito que todo mundo deveria fazer terapia porque para mim é um processo de autoconhecimento inestimável. É como a célebre frase atribuída a Nietzsche: “Torna-te quem tu és”. Isso é possível quando conhecemos quem somos, nossa essência.


É uma pena que a terapia seja malvista por aqui, mas a criação desse site do governo é um sopro de esperança, especialmente, nesse mês de setembro. É visível o aumento de casos de suicídio, especialmente, no metrô de Santiago. Tenho uma amiga que trabalha na estação Universidad de Chile e comentei com ela minha impressão (o metrô informa quando tem alguma interrupção no serviço por “pessoa na via”= suicídio).  


Minha amiga disse que, realmente, os casos aumentaram e o pior, confirmando as estatísticas do Ministério da Saúde chileno, a maioria dos casos são de jovens. Para piorar a situação, muita gente tem publicado vídeos em redes sociais de pessoas tentando suicidar-se no metrô. Essa amiga comentou que um colega de trabalho comentou que sempre que tem um caso, a primeira coisa que as pessoas fazem é começar a gravar com o celular. 


Há cerca de duas semanas, um imigrante venezuelano, jovem de 22 anos, suicidou-se no metrô. O caso repercutiu na comunidade de venezuelanos no Chile e vários começaram a culpar os problemas de saúde mental do país, que também afetam os estrangeiros que vivem aqui, obviamente. 


Como o Chile vive uma onda de xenofobia com os venezuelanos (realmente, eles são muitos aqui e vêm para o país com a intenção de ficar 5 anos, conseguir a nacionalidade e migrar para outros países). Os comentários em redes sociais, tanto de venezuelanos, como de chilenos, dão conta de mais um problema nessa sociedade pouco tolerante e suficientemente doente do ponto de vista mental.


Se por um lado os casos de suicídios entre jovens preocupam, os casos de idosos também são motivo de preocupação. Por conta das aposentadorias miseráveis que pagam aqui no Chile devido ao sistema de fundos de pensão privado, as pessoas mais velhas sabem que quando se retiram do mercado de trabalho, não tem condições de viver dignamente.


A maioria depende dos filhos, isso acontece em todas as classes sociais. Basta passear nos bairros de ricos para ver a decadência de alguns edifícios antigos, onde moram essas pessoas. O abandono desses edifícios representa o abandono que essas pessoas sofrem e daí, provavelmente, vem a sensação de ser um peso para a família. A taxa de suicídios em idosos no Chile beira a 15% superando a de adolescentes. 


Os adolescentes também são uma preocupação e há casos emblemáticos registrados dentro de colégios. Semana passada, os meios de comunicação noticiaram que um menino de 13 anos havia “caído” da janela do terceiro andar do colégio. Bastou uma busca rápida em redes sociais para ver que o menino tinha se jogado e não caído acidentalmente.


Sim, é grave, gravíssimo. É uma epidemia que pode ter solução desde que todos façam a sua parte. Tudo isso me preocupa, especialmente, pelo futuro da minha filha aqui, vivendo numa sociedade tão doente, que tem ainda um longo caminho a percorrer para curar as suas feridas emocionais. 


A iniciativa do governo é um avanço e tomara que o próximo governo continue a investir em prevenção. Enquanto isso, vamos tentando mostrar que terapia é bom pra todo mundo, em qualquer lugar, para todas as faixas etárias. 

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