La gente
Ando meio de va gar nos meus escritos. Falta matéria-prima, ou seja, contato com as pessoas. Quando a gente escreve, a fonte de inspiração são os causos, os fatos, as histórias e os personagens que cruzam o nosso caminho.
No Carnaval, fiquei por aqui no meu cantinho. Quieta. Assisti a uma coleção de DVDs com alguns filmes do Almodóvar. Num dos filmes, não me lembro qual deles agora, um dos diálogos fala sobre isso.
Da necessidade de se estar em contato com la gente para ter histórias que contar. Nesse universo em que transito diariamente cruzo com alguns desses personagens, mas tenho pouco contato com essa gente.
Por isso é que gosto de viajar. As viagens são uma oportunidade de interagir com as pessoas. Nas salas de embarque, nas horas intermináveis dos voos que nos levam onde queremos estar. Ai, estão os momentos que a vida nos proporciona para encontrar com la gente.
Na última viagem que fiz, no início de fevereiro, tive contato com alguns personagens na minha viagem de Brasília, passando por Porto Alegre, até chegar na praia, em Imbé.
Foi um longo trajeto que começou de manhã e terminou no fim da tarde. Se contarmos os quilômetros rodados, até que não foi muito. Nesse ponto, o preço cada vez mais acessível dos voos domésticos ajuda bastante.
Foi num desses voos que conheci um dos meus personagens. Não guardei nomes dessas figuras, mas elas me fizeram lembrar de um tempo que ficou para trás faz tempo. Quando eu era novinha e viajava para a praia, sozinha, de ônibus, nos finais de semana.
Passava horas na rodoviária esperando pelo horário da minha viagem. No melhor estilo Forrest Gump, sentava num banco e conversava com cada um dos passageiros que sentavam por ali antes de embarcar.
Comprei minha passagem em cima da hora e optei pela companhia aérea mais barata. O menor preço tinha uma conexão em Guarulhos, um pesadelo nesses tempos de caos aéreo.
No trajeto de Brasília a São Paulo, sentou ao meu lado um senhor que viajou o tempo todo interagindo com o IPAD dele. Não trocamos uma palavra a não ser com licença quando me levantei para ir ao banheiro.
No trecho Guarulhos-Porto Alegre, viajei ao lado de um senhor de 70 e tantos anos. Era a segunda viagem dele de avião. Estava indo a Caxias do Sul visitar a irmã. Viajava preocupado porque ainda teria que comprar a passagem da segunda etapa.
Se não conseguisse, teria que viajar de ônibus para a serra gaúcha. Engatamos um bom papo e fomos até Porto Alegre conversando. Ele me contou que mora em Guarulhos com a mulher. Estão separados porque ela é muito ciumenta, mas ele acha que eles vão voltar a ficar juntos.
Ele elogiou muito a mulher. Disse que ela era muito batalhadora. Juntos, criaram os filhos e ainda cuidam de alguns netos. Lembro bem quando ele contou que já devia ter trocado mais de 300 fraldas.
Contou também que era agricultor, mas tinha deixado há tempos a atividade rural e, por isso, foi parar em São Paulo, onde trabalha como pedreiro.
Certa vez, trabalhou em Santa Catarina num restaurante na beira da estrada. O negócio era comandado pelos filhos e, durante muito tempo, deu um bom dinheiro. Mas ele perdeu a grana quando investiu numa quadra de futebol e o terreno comprado era irregular. Ficou sem nada no Sul e daí veio definitivamente para a cidade grande.
Me contou ainda que morou em Novo Hamburgo e que, durante o tempo em que viveu no sul do país, nunca foi a Porto Alegre.
No despedimos em Porto Alegre, no aeroporto. Depois de me certificar que ele estava sendo atendido por um funcionário da companhia aérea para ajudá-lo na segunda etapa da viagem trocamos um aperto de mão.
Ele disse que tinha sido um prazer e que a conversa ajudara o tempo a passar rápido. “Nos encontramos aí em cima”, falou antes de ir embora.
Assim que desembarquei, fui ao banheiro e ouvi uma senhora pedindo instruções a uma funcionária sobre como ir para a rodoviária. Pensei: mais uma, como eu, que ainda tem que pegar um ônibus para chegar ao destino final.
Pensei em convidá-la para dividir um táxi. E convidei. Ela aceitou e fomos então para a rodoviária. Ela vinha de Cuiabá e ia para Lajeado. Eu, de Brasília, estava contando as horas para chegar à praia e fugir daquele calorão de Porto Alegre.
Na rodoviária, um horror! Para fugir daquela sensação de calor e umidade, resolvi comer um sorvete com salada de frutas, já que vi uma lanchonete da Banca 40, imagino que seja a mesma do Mercado Público, super tradicional.
Assim que entrei na lancheria, o atendente trouxe o cardápio. Em seguida, ele virou para a porta e começou a chamar por ajuda desesperado.
Um brigadiano (policial militar) passou mal enquanto olhava o cardápio na entrada da loja. Não que a comida fosse ruim, pelo contrario, as fotos eram bem encantadoras.
O problema era aquele calor infernal! O cara teve uma convulsão. Parecia um ataque epilético. Horrível. Todo mundo em pânico. Deita ele no chão, dizia um. Vira ele de lado, gritava outra. Não deixa ele de bruços, pode engasgar com a língua!, bradou mais outra.
E nada de chegar um médico. Daqui a pouco uma moça começou a gritar: tem algum médico aqui! E nada do socorro chegar. Passados alguns minutos, que pareciam uma eternidade, apareceram mais policiais, colegas do homem, que a essa altura estava inconsciente deitado no chão.
Finalmente, chegou o pessoal do socorro médico. O policial foi atendido, medicado e levado. Quando estava embarcando para pegar meu ônibus, vi que ele embarcou no ônibus ao lado também rumo ao litoral gaúcho. Viajava sozinho.
Fiquei com certo temor ao pensar que também ando viajando sozinha por aí. E se eu passar mal como esse homem? Hipótese que logo afastei da minha cabeça porque sei que sou uma pessoa muito saudável.
A viagem de ônibus foi a última etapa da minha jornada. Teria sido perfeita se o ônibus tivesse ar condicionado. Não tinha. Além disso, viajei ao lado da mulher gigante. Apoiei meu corpo esprimido contra a janela, que vinha escancarada, e tentei cochilar.
Cheguei em Imbé aliviada e feliz com a recepção calorosa da Vivian, minha sobrinha. Somente esse dia rendeu várias pequenas histórias. Esse contato breve e intenso com as pessoas é uma das melhores etapas da viagem. Mesmo nos momentos mais tensos ou desconfortáveis.
Se em Brasília o existencialismo é muito forte, é bom cruzar a fronteira do quadradinho e ver a vida lá fora. Seja para longe, ou para perto, viajar é sempre bom porque a gente muda a perspectiva e daí surgem novas histórias para contar.
E se não é possível viajar de avião, ônibus, carro... os livros e os filmes também ajudam a cruzar as fronteiras do pensamento. Os personagens que encontramos na nossa vida são parte desse universo de diretores e escritores. Me encantan!
No Carnaval, fiquei por aqui no meu cantinho. Quieta. Assisti a uma coleção de DVDs com alguns filmes do Almodóvar. Num dos filmes, não me lembro qual deles agora, um dos diálogos fala sobre isso.
Da necessidade de se estar em contato com la gente para ter histórias que contar. Nesse universo em que transito diariamente cruzo com alguns desses personagens, mas tenho pouco contato com essa gente.
Por isso é que gosto de viajar. As viagens são uma oportunidade de interagir com as pessoas. Nas salas de embarque, nas horas intermináveis dos voos que nos levam onde queremos estar. Ai, estão os momentos que a vida nos proporciona para encontrar com la gente.
Na última viagem que fiz, no início de fevereiro, tive contato com alguns personagens na minha viagem de Brasília, passando por Porto Alegre, até chegar na praia, em Imbé.
Foi um longo trajeto que começou de manhã e terminou no fim da tarde. Se contarmos os quilômetros rodados, até que não foi muito. Nesse ponto, o preço cada vez mais acessível dos voos domésticos ajuda bastante.
Foi num desses voos que conheci um dos meus personagens. Não guardei nomes dessas figuras, mas elas me fizeram lembrar de um tempo que ficou para trás faz tempo. Quando eu era novinha e viajava para a praia, sozinha, de ônibus, nos finais de semana.
Passava horas na rodoviária esperando pelo horário da minha viagem. No melhor estilo Forrest Gump, sentava num banco e conversava com cada um dos passageiros que sentavam por ali antes de embarcar.
Comprei minha passagem em cima da hora e optei pela companhia aérea mais barata. O menor preço tinha uma conexão em Guarulhos, um pesadelo nesses tempos de caos aéreo.
No trajeto de Brasília a São Paulo, sentou ao meu lado um senhor que viajou o tempo todo interagindo com o IPAD dele. Não trocamos uma palavra a não ser com licença quando me levantei para ir ao banheiro.
No trecho Guarulhos-Porto Alegre, viajei ao lado de um senhor de 70 e tantos anos. Era a segunda viagem dele de avião. Estava indo a Caxias do Sul visitar a irmã. Viajava preocupado porque ainda teria que comprar a passagem da segunda etapa.
Se não conseguisse, teria que viajar de ônibus para a serra gaúcha. Engatamos um bom papo e fomos até Porto Alegre conversando. Ele me contou que mora em Guarulhos com a mulher. Estão separados porque ela é muito ciumenta, mas ele acha que eles vão voltar a ficar juntos.
Ele elogiou muito a mulher. Disse que ela era muito batalhadora. Juntos, criaram os filhos e ainda cuidam de alguns netos. Lembro bem quando ele contou que já devia ter trocado mais de 300 fraldas.
Contou também que era agricultor, mas tinha deixado há tempos a atividade rural e, por isso, foi parar em São Paulo, onde trabalha como pedreiro.
Certa vez, trabalhou em Santa Catarina num restaurante na beira da estrada. O negócio era comandado pelos filhos e, durante muito tempo, deu um bom dinheiro. Mas ele perdeu a grana quando investiu numa quadra de futebol e o terreno comprado era irregular. Ficou sem nada no Sul e daí veio definitivamente para a cidade grande.
Me contou ainda que morou em Novo Hamburgo e que, durante o tempo em que viveu no sul do país, nunca foi a Porto Alegre.
No despedimos em Porto Alegre, no aeroporto. Depois de me certificar que ele estava sendo atendido por um funcionário da companhia aérea para ajudá-lo na segunda etapa da viagem trocamos um aperto de mão.
Ele disse que tinha sido um prazer e que a conversa ajudara o tempo a passar rápido. “Nos encontramos aí em cima”, falou antes de ir embora.
Assim que desembarquei, fui ao banheiro e ouvi uma senhora pedindo instruções a uma funcionária sobre como ir para a rodoviária. Pensei: mais uma, como eu, que ainda tem que pegar um ônibus para chegar ao destino final.
Pensei em convidá-la para dividir um táxi. E convidei. Ela aceitou e fomos então para a rodoviária. Ela vinha de Cuiabá e ia para Lajeado. Eu, de Brasília, estava contando as horas para chegar à praia e fugir daquele calorão de Porto Alegre.
Na rodoviária, um horror! Para fugir daquela sensação de calor e umidade, resolvi comer um sorvete com salada de frutas, já que vi uma lanchonete da Banca 40, imagino que seja a mesma do Mercado Público, super tradicional.
Assim que entrei na lancheria, o atendente trouxe o cardápio. Em seguida, ele virou para a porta e começou a chamar por ajuda desesperado.
Um brigadiano (policial militar) passou mal enquanto olhava o cardápio na entrada da loja. Não que a comida fosse ruim, pelo contrario, as fotos eram bem encantadoras.
O problema era aquele calor infernal! O cara teve uma convulsão. Parecia um ataque epilético. Horrível. Todo mundo em pânico. Deita ele no chão, dizia um. Vira ele de lado, gritava outra. Não deixa ele de bruços, pode engasgar com a língua!, bradou mais outra.
E nada de chegar um médico. Daqui a pouco uma moça começou a gritar: tem algum médico aqui! E nada do socorro chegar. Passados alguns minutos, que pareciam uma eternidade, apareceram mais policiais, colegas do homem, que a essa altura estava inconsciente deitado no chão.
Finalmente, chegou o pessoal do socorro médico. O policial foi atendido, medicado e levado. Quando estava embarcando para pegar meu ônibus, vi que ele embarcou no ônibus ao lado também rumo ao litoral gaúcho. Viajava sozinho.
Fiquei com certo temor ao pensar que também ando viajando sozinha por aí. E se eu passar mal como esse homem? Hipótese que logo afastei da minha cabeça porque sei que sou uma pessoa muito saudável.
A viagem de ônibus foi a última etapa da minha jornada. Teria sido perfeita se o ônibus tivesse ar condicionado. Não tinha. Além disso, viajei ao lado da mulher gigante. Apoiei meu corpo esprimido contra a janela, que vinha escancarada, e tentei cochilar.
Cheguei em Imbé aliviada e feliz com a recepção calorosa da Vivian, minha sobrinha. Somente esse dia rendeu várias pequenas histórias. Esse contato breve e intenso com as pessoas é uma das melhores etapas da viagem. Mesmo nos momentos mais tensos ou desconfortáveis.
Se em Brasília o existencialismo é muito forte, é bom cruzar a fronteira do quadradinho e ver a vida lá fora. Seja para longe, ou para perto, viajar é sempre bom porque a gente muda a perspectiva e daí surgem novas histórias para contar.
E se não é possível viajar de avião, ônibus, carro... os livros e os filmes também ajudam a cruzar as fronteiras do pensamento. Os personagens que encontramos na nossa vida são parte desse universo de diretores e escritores. Me encantan!
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