Uma pequena alegria da vida adulta no Chile

Semana passada tivemos uma noticia muito boa aqui, não, na verdade, foi uma noticia maravilhosa. A Gabi conseguiu vaga num colégio particular subvencionado, ou como a mídia comercial gosta de chamar no Brasil, colégios com voucher. Foram 5 anos tentando matricula pelo Sistema do Ministério da Educação do Chile. Um verdadeiro calvário, mas conseguimos.


Formatura do Jardim Infantil

Para qualquer família chileno a questão da vaga no colégio é um assunto supercomplexo e origem de muita preocupação. Eu soube disso, literalmente, desde a primeira vez em que coloquei meus pés neste país. Sem exagero.  


O ano era 2008 e eu estava a trabalho em Santiago para organizar um evento de promoção de turismo pela Embratur. A nossa agência do Brasil tinha uma parceira aqui no Chile com quem eu trabalhei durante aqueles dias. Uma das pessoas encarregadas estava justamente no processo de, como ela mesma definiu, lobby escolar para conseguir matricular um dos filhos no Jardim de Infância.


É uma verdadeira loucura! Mesmo as pessoas que tem uma excelente situação financeira, precisam enfrentar um exaustivo processo para conseguir vaga nas melhores escolas particulares. Entrevistas com os pais e as crianças, provas de admissão desde o 1º ano do ensino fundamental, questionários, cartas de recomendação, etc.


Uma insanidade absurda, tudo para que seu filho estude em algum colégio tradicional e ali faça as conexões para a vida adulta. Com isso, você garante que seu filho terá alguma possibilidade de conseguir algum dia, quem sabe, talvez, um cargo de chefia. Graças aos amigos do colégio.


Não estou exagerando. É exatamente assim... Quando eu trabalhava dando aulas de português numa das maiores companhias de seguros do país, um dos gerentes me disse: Isabela, no Chile não é o aluno que escolhe o colégio, é o colégio que escolhe o aluno.


Essa é a realidade de uma classe extremamente pequena e privilegiada nesse país. E o resto, como é que fica? Todos os demais podem recorrer ao Sistema de Admissão Escolar do Ministério da Educação. É um site que você se inscreve para tentar uma vaga ou na rede pública, ou nos colégios subvencionados.


Como funciona? Você coloca por ordem de prioridade os colégios que você gostaria de tentar. Existem alguns critérios de prioridade como, por exemplo, ter irmãos no colégio, ou que seus pais trabalhem no estabelecimento de ensino. O último critério é o endereço residencial, quer dizer, se você mora relativamente perto do colégio.


Digo relativamente porque já me aconteceu, na primeira tentativa, de me darem uma vaga numa creche que ficava super longe da minha casa. Era dentro do Bairro de Santiago Centro que é gigante. 


Passaram-se alguns anos e eu continuava tentando... O Jardim de Infância foi particular e pago com muito sacrifício. No começo a Gabi ficava meio turno e depois, quando comecei a trabalhar, passou para horário integral.


Quando ela estava terminando o Jardim, começamos a tentar vaga no sistema público e ela nunca conseguia. Santiago Centro é uma das comunas, talvez, com mais colégios públicos. O problema é que o bairro concentra o maior número de imigrantes também. Por isso, não consegue atender a toda demanda.


Somente quando a Gabi terminou a Educação Infantil, procuramos vaga num colégio particular de qualidade mais ou menos, que recebia muitos alunos do jardim. Dois deles, aliás, também foram para esse colégio, o Theo e o Martim. O primeiro ano foi praticamente online por causa da pandemia, com alguns períodos presenciais. 


Ela amou o colégio, a professora era muito querida e tinham apenas outras três meninas na turma, que depois aumentou. Eram a Gabi e a Rebeca, depois chegaram as Saras e, finalmente, a Alfonsina. A professora era uma querida e muito amorosa com as crianças.


No segundo ano, chegaram novas meninas e a Gabi custou a se ajustar à nova realidade: totalmente presencial, uma professora mais durona, vários outros professores (aos de Educação Física e Inglês, se somaram de Artes, Música, etc). Mas foi somente no terceiro que a cosa desandou de vez. 


Além da professora chefa do curso ser muito ruim, eles têm um professor para cada disciplina, com apenas oito anos de idade. Nem na faculdade acho que tinha tantos professores assim, sem exagero. O colégio foi ficando cada vez mais caro e a qualidade duvidosa... 


Esse ano, não apenas participei do sistema de matriculas do Ministério da Educação, como também vi vários colégios, caso não desse certo. A única certeza que tínhamos é que a Gabi precisava sair dessa escola, já que a partir do ano que vem eles usam tablet para as provas e não tem absolutamente nenhum controle sobre o que os alunos consomem em termos de conteúdo em redes sociais. 


Nunca coloco muitas opções de colégios na minha inscrição porque não me interessa conseguir apenas a vaga, mas consegui-la em um bom colégio. Esse ano coloquei outros dois estabelecimentos, um deles eu nunca tinha tentado porque é só de meninas. Sim, o Chile tem isso: escolas somente para meninos e meninas...


Pois foi exatamente nesse que - além de tudo, é católico -, que ela ficou em terceiro lugar na lista. Eu estava angustiada porque os prazos estavam super apertados. Os colégios começam as matrículas em maio e os que são mais flexíveis, também ficam com menos vagas quanto mais perto do fim do ano.


Até que chegou o grande dia em que o Ministério da Educação divulgaria os resultados das listas. Juro pra vocês que chorei de emoção quando vi que a Gabi conseguiu a vaga. Foi um alívio tão grande! Minha filha conseguiu a vaga num bom colégio, perto de casa e mais barato que o atual!


Além disso, depois do resultado, comentei com várias pessoas e todas elas falaram bem do colégio. Descobri que até uma colega do meu trabalho estudou lá e falou super bem. É um alívio que só quem vive esse sistema horroroso sabe o que representa.


Sempre que me perguntam dos vouchers eu corrijo: colégio subvencionado. Por quê? Porque esses colégios recebem recursos do estado e, por isso, tem uma mensalidade mais barata. Só que não é grátis, todo mundo paga. Além disso, o dinheiro que o governo investe nessas escolas, podia ser usado para ampliar a rede pública de ensino que está totalmente sucateada.


Foi uma grande conquista e é mais uma história para contar nessa trajetória aqui no Chile. Porque a Gabi está apenas no início da vida escolar e sabe-se lá o que mais nos espera no futuro. Por enquanto, estamos curtindo esse momento de uma pequena alegria da vida adulta.  

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