No meio dos trilhos

No meio dos trilhos do metrô tinha um corpo.
Tinha um corpo no meio dos trilhos.
(parafraseando Drummond)

Hoje começou agosto, aquele mês danado que muita gente foge que nem o Diabo da cruz. E começou bem carregado diga-se de passagem.

Uma pessoa se jogou nos trilhos do metrô de Santiago. Não sei se ela morreu ou não. O metro não fala disso abertamente.

Eles apenas informam burocraticamente nas redes sociais que o serviço está suspenso porque uma pessoa se jogou nas vias.

E assim começa agosto trazendo morte, caos e tentando me contaminar com a negatividade. Vi várias pessoas reclamando nas redes sociais.

Não lamentando a morte de um ser humano, mas por que o metrô não tem um plano de emergência para não interromper o serviço quando isso acontece.

Para minha surpresa, fiquei sabendo hoje que existe uma lei no Chile que penaliza as pessoas que tentam se suicidar em lugares públicos.

O metrô, principalmente, cobra todos os gastos quando a pessoa sobrevive depois de tentar se matar nas suas dependências.

Também existe uma lei que criminaliza a pessoa que ajuda alguém a suicidar-se. Horrível, não? Quando o estado interfere até mesmo no desejo de viver das pessoas.

E não por uma questão humanitária, mas por dinheiro. Nesse dia de caos, a única coisa que eu queria era chegar em casa e dar de mamar para minha filha.

Mas não pude deixar de pensar em todas essas questões enquanto terminava de dar banho na Gabi e prepará-la para dormir.

Também me lembrei da música Pais e Filhos, da Legião Urbana, que fala sobre suicídio e de como essa sociedade doente e egoísta não está preparada para tratar desse assunto.

Por isso, uma pessoa morre e ninguém pode usar a palavra suicídio nas notícias. Ninguém se interessa em saber a história de vida daquele ser humano.

Todo mundo fica puto da vida com o cara ou a cara que se jogou nos trilhos do metrô...

Fiquei triste, perlexa, reflexiva... Também me lembrei de algo que ouvi há muitos anos quando era recém chegada em Brasília:

“Pior que estar na merda é se acostumar com a merda”. Deus me livre acostumar-se com tanta frieza.

Deus me conserve assim, do alto dos meus quarenta e todos, com a capacidade de lamentar, chorar e indignar-me diante da morte.

***

Em tempo: dia 22 de agosto já são 13 anos sem meu querido pai. Saudade! Que doa o que tiver de doer porque é sinal de que sigo viva e amando meu véio!


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